PSICOSE – A OBRA-MESTRA DO SUSPENSE

João Rodolfo Franzoni
Edição: Marco Aurélio Lucchetti
Psicose, baseado num romance de Robert Bloch e fotografado em preto e branco, é um filme que consegue reunir apenas virtudes. Não tem nenhum defeito.
A simples menção desse clássico insuperável do Suspense remete de imediato ao tão propagado assassinato a facadas ocorrido no chuveiro.
Mesmo quem nunca se dignou a ver o filme, dirigido por Alfred Hitchcock, talvez o maior diretor de toda a história cinematográfica, certamente conhece essa cena antológica (ou, pelo menos, já ouviu falar dela), que, na época do seu lançamento – início dos anos 1960 – abalou consideravelmente uma plateia até então habituada com o assassinato implícito no Cinema.
Um adendo: os mais sensíveis ainda se abalam com essa sequência. Portanto, não recomendo que essas pessoas assistam a Psicose.
E quem admira uma fita por suas qualidades técnicas se surpreende com o cuidadoso trabalho de edição e os diversos posicionamentos de câmera (trinta e quatro no total) utilizados para a realização da referida sequência, que dura exatos quarenta e cinco segundos. É uma sequência curta, mas a genialidade nela contida é imensurável.

Alguns dos setenta planos da sequência do chuveiro em que Marion Crane é assassinada em Psicose.
Porém, as inumeráveis qualidades da fita não se restringem a essa cena. A abertura, pontuada pela música sufocante do compositor e maestro Bernard Herrmann (um frequente colaborador de Hitchcock), é o prólogo dos muitos impactos agonizantes reservados pela trama perturbadora e repleta de reviravoltas.
A primeira parte da fita é protagonizada por Marion Crane (vivida pela atriz Janet Leigh), uma jovem secretária que, apaixonada e correspondida por Sam Loomis, um sujeito endividado, comete um desfalque na firma em que trabalha e foge de Phoenix, no Arizona, disposta a ir viver com o namorado, que mora na Califórnia.
A tal fuga, iniciada numa tarde de sexta-feira, é angustiante. E a trilha sonora se encarrega de dar a ela uma tensão ainda maior, valendo aqui destacar a cena em que a ladra amadora levanta suspeitas em um soturno guarda rodoviário, ressabiado com o comportamento estranho da moça, que, durante a noite, parou o carro e, cansada, adormeceu. Quando o guarda a aborda, na manhã seguinte, ela havia acabado de despertar.

Marion Crane, sendo abordada pelo guarda rodoviário.
Depois, à noite, devido a uma chuva insistente, Marion decide pernoitar num motel à beira de uma estrada secundária. O motel é administrado pelo estranho e misantropo Norman Bates (uma interpretação marcante de Anthony Perkins). Além de administrar o motel, Norman dedica-se à taxidermia. O quarto nos fundos da recepção do motel está cheio de animais empalhados por ele.

Norman Bates e alguns de seus bichos empalhados.
A atração exercida por Marion sobre Norman, que vive oprimido pela mãe inválida e de temperamento instável, é instantânea. Ambos jantam juntos; e Norman assusta Marion, ao mostrar sua aversão à ideia de internar a mãe.

Norman e Marion, na cena em que ele a convida para jantar.
Na mesma noite, a ladra fugitiva decide retornar, no dia seguinte, a Phoenix e reparar seu erro. Então, ela se dirige ao banheiro e entra no chuveiro. A água do banho tem na moça um poder de redenção.

Um momento do banho de Marion.
A aparente harmonia da cena é violada, quando a mãe de Norman invade o banheiro e retalha a hóspede com uma faca.

Marion Crane, que, até aquele instante, era a personagem principal de Psicose, desaparece da trama. E quem assume o papel de protagonista é Norman Bates.
Inicia-se, a partir de então, a segunda parte do filme.
Bem, falar de qualquer um dos acontecimentos posteriores seria estragar a série de surpresas reservada pelo magnífico roteiro, escrito por Joseph Stefano.

Hitchcock e Janet Leigh, no quarto ocupado por Marion Crane no sinistro Bates Motel.
Hitchcock tinha uma grande fixação por temas como opressão materna, conforme visto em Interlúdio (Notorious, 1946) e Marnie, Confissões de uma Ladra (Marnie, 1964); cenas ambientadas em escadarias, para provocar tensão [Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958) é seu exemplo máximo]; e os contrastes entre benevolência e posturas macabras, como em A Sombra de uma Dúvida (Shadow of a Doubt, 1943). Em Psicose, esses recursos atingem a perfeição. Pode-se dizer que o filme instituiu um significado ao Suspense, tornando-se uma obra-mestra do gênero. Foi muitas vezes imitado, mas jamais superado.
E, para aqueles que rejeitam um filme por razões imperdoáveis, como a fotografia em preto e branco, Psicose é a ferramenta ideal para demolir tal preconceito. Acredite: será uma experiência compensadora, que possibilitará uma indiscutível aproximação com o verdadeiro Cinema.

Cartazete italiano de Psicose.
Psicose (Psycho, Estados Unidos, 1960, 109’)
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Joseph Stefano, baseando-se em romance de Robert Bloch
Fotografia: John L. Russell
Música: Bernard Herrmann
Montagem: George Tomasini
Design do título e storyboard da cena do chuveiro: Saul Bass
Elenco: Janet Leigh (Marion Crane), Anthony Perkins (Norman Bates), Vera Miles (Lila Crane), John Gavin (Sam Loomis), Martin Balsan (Milton Arbogast), John McIntire (xerife adjunto Al Chambers), Simon Oakland (dr. Richman), Frank Albertson (Tom Cassidy), Patricia (Pat) Hitchcock (Caroline), Vaughn Taylor (George Lowery), Lurene Tuttle (sra. Chambers), John Anderson (vendedor de carros usados), Mort Mills (guarda rodoviário)
Observação: Virginia Gregg, Paul Jasmin e Jeanette Nolan fizeram aparições não-creditadas, dando voz à mãe de Norman Bates. As três vozes foram usadas indistintamente, exceto pelo discurso na cena final, que foi executado inteiramente por Virginia Gregg.

Mais um cartazete italiano de Psicose.
João Rodolfo Franzoni é jornalista e professor.