O QUE DISSE ALFRED HITCHCOCK

Seleção, Organização e Edição: Marco Aurélio Lucchetti

Faço filmes porque é o que sei fazer melhor.

Muita gente acha que um diretor de Cinema faz todo o seu trabalho no estúdio, manobrando os atores, fazendo-os seguir as suas ordens. Isso não é absolutamente verdade, no que se refere aos meus métodos; e é só deles que posso falar. Gosto de ter o filme pronto na minha cabeça, antes de começar a filmar.

Dou apenas algumas indicações aos atores, não os dirijo.

Num bom filme, o talento do diretor vale 95%; os outros 5% cabem aos intérpretes.

Eu nunca disse que os atores eram gado. Disse apenas que deveriam ser tratados como gado.

Quando vi como Kim Novak era ruim como atriz, eu lhe disse que só queria sua beleza e procurei que ela falasse muito pouco em Um Corpo Que Cai.

Kim Novak, interpretando a personagem Madeleine Elster, em Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958).

Eu acreditava que o sucesso artístico de Um Corpo Que Cai era dependente de Vera Miles. Os testes para os figurinos com ela foram brilhantes. Ela estava maravilhosa… perfeita. Então, ela ficou grávida bem antes de estrelar este filme que a faria uma superestrela.

Uma estrela só alcança o estrelato porque provou seu valor e seu talento, na tela ou no palco.

Uma atriz de filmes não deve ter altura acima da média. De fato, ser pequena é definitivamente uma virtude. Uma atriz pequena não apenas fotografa melhor do que uma que “se ergue a alturas imponentes” – especialmente em cenas de close –, como também agrada à plateia, que gosta de ver a cabeça cacheada da heroína aninhada no peito másculo do herói. Se for mais alta, pode fazê-lo parecer insignificante.

Ninguém tem um elenco como Walt Disney. Quando ele não gosta de um ator, simplesmente o apaga.

Quando se começa a trabalhar num projeto e ele não funciona, a sabedoria consiste em abandoná-lo pura e simplesmente.

As ideias que achamos formidáveis no meio da noite revelam-se muitas vezes lamentáveis na manhã seguinte.

Sempre tive medo de improvisar no estúdio, porque naquele momento, se se acha tempo para ter ideias, não se acha tempo para examinar a qualidade dessas ideias.

Sou muito medroso.

Tenho pavor de polícia. Por isso, nunca tirei carta de motorista.

O medo influenciou minha vida e minha carreira.

Vou lhes contar uma história. Ela ocorreu em Londres, quando eu tinha cinco ou seis anos de idade. Era domingo, único dia em que meus pais não trabalhavam. À noite, eles me deitaram e foram passear no Hyde Park, respirar um pouco de ar puro. Estavam certos de que eu dormiria até retornarem ou a noite inteira. Por infelicidade, despertei e os chamei. Ninguém me respondeu. Ao meu redor, estava tudo escuro. Tateando, levantei-me. Então, errando pela casa vazia e mergulhada nas trevas, cheguei à cozinha, onde encontrei um pedaço de carne fria, que comi, molhando-o com as minhas lágrimas. Isso me deixou um definitivo horror de carne fria, além de um horror atroz da obscuridade e das noites de domingo. 

Faço todo o possível para evitar toda espécie de dificuldades e de complicações. Gosto que tudo à minha volta seja límpido, sem nuvens, perfeitamente calmo. Uma mesa de trabalho bem-arrumada me dá paz interior. Quando tomo banho, recoloco, depois do uso, todos os objetos no seu lugar no banheiro. Não deixo nenhum traço da minha passagem. Esse sentimento de ordem vem junto, em mim, com uma nítida repugnância por toda complicação.

Jamais tive sonhos eróticos!

Meus filmes são sonhos acordados.

Concebo os meus filmes tal como Shakespeare o fazia com suas peças – para uma plateia.

Não filmo pedaços de vida, mas pedaços de bolo.

Ao longo de sua carreira como cineasta, sir Alfred Hitchcock (1899-1980) dirigiu cinquenta e três longas-metragens.

Nos Estados Unidos, somos facilmente rotulados para sempre. Preciso fazer filmes de Suspense, senão as pessoas ficarão decepcionadas.

Se eu filmasse Cinderela, a plateia pensaria que havia um cadáver na carruagem.

O crime, na Inglaterra, com frequência parece ter uma aura particularmente fascinante.

Em meus filmes, eu mostro como é difícil e atrapalhado matar uma pessoa.

Se você quer mostrar um homem encurralado num lugar onde ele será morto, como se procede habitualmente? Mostra-se um beco escuro, à noite. A vítima espera sob uma sacada. A calçada está molhada por uma chuva recente. Grande plano de um gato preto correndo sobre um muro. A aproximação lenta de um carro etc. Então, perguntei-me: “Como seria o contrário dessa sequência?” Um campo deserto, à luz do sol, sem gatos pretos.

A foto acima, mostrando Roger Thornhill (Cary Grant) sendo perseguido por um aeroplano que deseja matá-lo, foi extraída de uma das sequências inesquecíveis de Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), um dos filmes memoráveis de Hitchcock.

O crime pode ser muito mais fascinante e deleitoso, mesmo para a vítima, se ocorrer num ambiente agradável e se as pessoas envolvidas forem damas e cavalheiros.

O riso, a lágrima e o medo são as três mais dignas reações humanas.

A palavra amor é cheia de suspeição.

Quando abordo as questões de sexo na tela, não esqueço que, também aí, o suspense comanda tudo. Se o sexo é demasiado gritante e evidente, não há mais suspense.

Na atualidade, está todo mundo falando de erotismo cinematográfico. Naturalmente, erotismo é uma coisa e pornografia é outra, sendo que esta já está suficientemente amadurecida para suportar um esquema próprio de produção e distribuição. Para mim, erotismo é coisa corriqueira e sempre o fiz em meus filmes. É que o público nunca demonstra vontade de assimilar minha sutileza. Por exemplo, gosto de mostrar beijos que muita gente andou dizendo que eram prolongados demais. E eram, mesmo. Afinal, eu estava mostrando o erotismo em meus filmes, por meio de simples beijinhos de despedida.  

O humor é necessário ao suspense. Ele contribui para que o público consiga respirar um pouco. Um filme de Suspense puro não é suportável por mais de vinte e quatro minutos. O humor é, ao mesmo tempo, a pílula açucarada que serve à apresentação dos personagens e o elemento cômico indispensável ao público. Se exagerarmos o efeito do suspense, sem deixar lugar para o humor, os espectadores rirão de qualquer forma. Mas na hora indevida.

O mais importante é fazer uma pausa no fim de uma sequência de suspense, para que o público consiga respirar um pouco.

Há uma importante diferença entre o mistério e o suspense. O mistério consiste em suprimir informações do espectador e convidá-lo a decifrar uma charada. No suspense, quem é suprimido de informações é o personagem, mas o espectador sabe de tudo e se angustia porque pode adivinhar o que acontecerá ao personagem. Então, cabe a mim surpreender a plateia.

O mistério fala à razão. O suspense, à emoção.  

Não existe comparação entre o suspense da vida real e o cinematográfico. Quando o público está assistindo a um filme, pode, em um determinado momento, agarrar-se ao braço da poltrona e dizer: “Não é verdade.” Se eu realizar bem a minha parte, o público vai esquecer que a poltrona tem braço.

Quando realizei Sob o Signo de Capricórnio, que é acima de tudo uma tragédia, os críticos escreveram: “Fomos obrigados a aguardar cento e quatro minutos, até termos suspense.”

Michael Wilding (1912-1979) e Ingrid Bergman (1915-1982), numa cena de Sob o Signo de Capricórnio (Under Capricorn, 1949).

Ingrid Bergman trabalhou em três filmes meus: Quando Fala o Coração, Interlúdio e Sob o Signo de Capricórnio. Grace Kelly foi outra atriz que estrelou três fitas minhas: Disque M para Matar, Janela Indiscreta e Ladrão de Casaca. Confesso que depois delas nunca mais encontrei loiras para as minhas “trilogias femininas”. Tippi Hedren foi um achado, mas, infelizmente, para apenas dois filmes seguidos: Os Pássaros e Marnie, Confissões de uma Ladra.

Grace Kelly (1929-1982), uma das grandes intérpretes hitchcockianas, em Disque M para Matar (Dial M for Murder, 1954).

Tippi Hedren (nascida Nathalie Kay Hedren), interpretando uma ladra que se utiliza de todas as artimanhas e de toda a sua esperteza nos golpes que pratica, em Marnie, Confissões de uma Ladra (Marnie, 1964), filme baseado num romance do escritor inglês Winston Graham (1908-2003).

Eu sempre adorei a seguinte história: um homem anda pela rua, lendo o jornal. Mais à frente, há um buraco de esgoto. Os espectadores olham e se perguntam: “Será que ele vai cair no buraco?” Distraído com a leitura, o homem acaba caindo. Todos acham engraçado aquilo e estouram de rir. A câmera se aproxima e mostra o homem caído lá dentro. O sangue corre de sua cabeça. Chega uma ambulância e leva o homem para o hospital. Aparecem sua mulher e seus filhos. O homem morre. É uma tragédia, partindo de um ponto cômico. O público, que, antes riu, agora está constrangido. Contei essa história, porque não vejo uma linha real de demarcação entre a tragédia e a comédia.

Creio que o modo mais fácil de preocupar os espectadores é virar a mesa sobre elas, isto é, fazer do elemento mais inocente do elenco o assassino; fazer do vizinho mais próximo um perigoso espião. Manter os personagens saindo de seus papéis e entrando na pele de outros.

Sempre achei que deveria fazer um mínimo na tela para se conseguir o máximo da plateia. Creio que a plateia tem que trabalhar. Às vezes, é necessário apelar para alguns elementos de violência, mas só faço isso se houver uma boa razão.

Na foto acima, Barry Foster e Barbara Leigh-Hunt, interpretando respectivamente Bob Rusk e Brenda Blaney, numa das sequências mais violentas de Frenesi (Frenzy, 1972), o penúltimo filme dirigido por Hitchcock.

Para mim, fazer filmes é apenas contar uma história. E essa história pode ser comum, mas não pode ser banal.

Interessa-me menos a história do que a maneira de contá-la.

Um filme tem de ser visualmente interessante; e, acima de tudo, é a imagem que importa. Tento contar a história por meio da imagem e sempre de tal forma que, se o aparelho de som do cinema quebrar, a plateia não irá ficar alarmada nem inquieta, porque a ação pictórica continuará a imobilizá-la.

Em Psicose, o assunto me importava pouco, os personagens me importavam pouco; o que me importava é que a junção dos trechos de filme, a fotografia, a trilha sonora e tudo aquilo que é puramente técnico podiam fazer o público urrar. Creio que é uma grande satisfação para nós utilizar a arte cinematográfica para criar uma emoção de massa. E, com Psicose, cumprimos isso. Não foi uma mensagem que intrigou o público. Não foi uma grande interpretação que transtornou o público. Não foi um romance muito apreciado que cativou o público. O que comoveu o público foi o filme puro.

Cartaz original (estadunidense) de Psicose (Psycho, 1960), fita baseada no romance homônimo de Robert Bloch (1917-1994).

No Cinema, quando se conta uma história, não se deveria recorrer ao diálogo, a não ser quando é impossível fazer de outro modo. Sempre me esforcei para procurar em primeiro lugar a maneira cinematográfica de contar uma história pela sucessão dos planos e dos fragmentos do filme em si.

Alguns dos setenta planos da sequência do chuveiro em que Marion Crane (Janet Leigh) é assassinada em Psicose. A sequência, que dura quarenta e cinco segundos, é Cinema puro.

Certa vez, em Los Angeles, um garotinho, que devia ter uns nove anos, aproximou-se de mim e perguntou; “Sr. Hitchcock, na cena do assassinato em Psicose, o senhor usou o que como sangue? Sangue de galinha?” Respondi: “Não. Usei calda de chocolate.” “Ah, bom… O.K. Obrigado.”, replicou o garotinho, indo embora.  

Muitas vezes o cinema falado só serviu para introduzir o teatro nos estúdios.

Será que alguma vez o teatro adaptou, com sucesso, alguma coisa do Cinema?

No teatro, o desempenho do ator faz a plateia acompanhá-lo. Assim, o diálogo e as ideias bastam. No Cinema, não é assim. Os elementos estruturais mais amplos da história precisam, na tela, ser revestidos pela atmosfera, pela caracterização…

Festim Diabólico é provavelmente o filme mais instigante que já dirigi. Alguns críticos disseram ser o filme com a “técnica mais revolucionária jamais vista em Hollywood”.

Cada sequência de Festim Diabólico é, de fato, um rolo de dez minutos, filmado sem interrupção, mas com um sem-número de movimentos de câmera para obter os diversos ângulos. Na verdade, não foi muito cinematográfico. Foi mais uma extensão do teatro. Foi como dar binóculos à plateia, para todos os espectadores, para que seguissem os personagens aonde quer que fossem.

 Farley Granger (1925-2011), James Stewart (1908-1997) e John Dall (1920-1971), numa cena de Festim Diabólico (Rope, 1948).

A televisão não tem nada de arte. Ela é apenas um veículo de comunicação.

Que é arte? Uma experiência.

Recordar às vezes é divertido – e, às vezes, humilhante. Não é algo que, de maneira geral, eu goste de fazer. Prefiro olhar para frente. Interesso-me mais pelo futuro próximo do que pelo passado.

Karen Black, em Trama Macabra (Family Plot, 1976), o último filme realizado por Hitchcock.

Aposentar-me? Nem sei o que dizer. Que esperam que eu faça, depois? Que me esparrame pelo chão como um cachorro morto? A idade para mim não faz nenhuma diferença. 

Marco Aurélio Lucchetti é professor universitário e pesquisador de Cinema, Quadrinhos e livros populares.


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