X – A MARCA DA MORTE – SLASHER, MAS COM ALGO A MAIS

Bruno Ricardo de Souza Dias
Edição: Marco Aurélio Lucchetti
Historicamente, um dos subgêneros do Terror de maior sucesso entre o público é o Slasher, que se caracteriza por filmes com um assassino psicopata que persegue e mata um grupo de pessoas de forma violenta e explícita. E esse assassino, que muitas vezes utiliza uma máscara ou algum tipo de disfarce para esconder sua identidade, pode ter motivações obscuras ou aleatórias.
Como exemplo de Slasher, cito um dos primeiros exemplares desse subgênero: Noite do Terror (Black Christmas), produzido no Canadá, dirigido por Bob Clark e lançado em 1974.
Tendo no elenco Olivia Hussey, Margot Kidder, Keir Dullea e John Saxon, Noite do Terror foi inspirado numa lenda urbana e apresenta como personagens centrais as integrantes de uma irmandade universitária que, durante o feriado de Natal, passam a receber telefonemas ameaçadores e, em seguida, começam a ser mortas por um assassino em série.

Olivia Hussey (1951-2024), interpretando uma das estudantes ameaçadas em Noite do Terror.
Noite do Terror chegou a ter duas refilmagens. Uma em 2006 e outra em 2019. A de 2006 é conhecida em nosso país com o título de Natal Negro. Já a de 2019, recebeu no Brasil o título de Natal Sangrento.

Aleyse Shannon, Imogen Poots, Brittany O’Grady e Lily Donoghue, representando as garotas da irmandade, em Natal Sangrento.
Em 2022, a conceituada produtora A24 lançou X – A Marca da Morte, um filme que procura homenagear e referenciar as clássicas fitas de Slasher. Entretanto, nas entrelinhas, ele mostra que vai além do gênero propriamente dito.
Dirigido, roteirizado e produzido pelo norte-americano Ti West, X – A Marca da Morte dá início àquela que seria conhecida como Trilogia X. Essa trilogia é formada pela prequência Pearl (2022) e pela sequência Maxxxine (2024).

Uma cena de Maxxxine, mostrando a atriz britânica Lily Collins.
Ambientada no final dos anos 1970, a trama de X- A Marca da Morte segue um grupo de seis pessoas que, a fim de realizar um filme pornográfico intitulado The Farmer’s Daughters, aluga parte de uma fazenda isolada no Texas.
O tal grupo é composto por: Maxine (Mia Goth), uma aspirante a estrela pornô; Wayne (Martin Henderson), namorado de Maxine e produtor executivo do filme; Bobby-Lynne (Brittany Snow), uma veterana das fitas pornográficas; Jackson (Scott Mescudi), outro veterano do Pornô; RJ (Owen Campbell), um cineasta idealista; e Lorraine (Jenna Ortega), que é técnica de som e namorada de RJ.

E os artistas e a equipe técnica de The Farmer’s Daughters chegam ao local das filmagens.
Da esquerda para a direita: RJ, Lorraine, Bobby-Lynne, Jackson, Maxine e Wayne.

A princípio, Lorraine sente-se constrangida de estar participando da realização de um filme pornográfico. Mas, depois de assistir às filmagens de algumas cenas, ela revela o desejo de ser uma das atrizes da fita, o que não agrada nem um pouco RJ.
A fazenda onde está sendo filmado The Farmer’s Daughters pertence a Howard e Pearl, um casal de idosos com comportamentos estranhos. Howard é bastante temperamental. Está sempre mencionando ou empunhando sua espingarda. Quanto a Pearl, interpretada também por Mia Goth, exibe uma obsessão silenciosa por Maxine, demonstrando ciúmes de sua juventude e beleza.

A velha Pearl e a jovem Maxine, duas personagens interpretadas por Mia Goth.
RJ e sua trupe iniciam as filmagens sem informar aos anfitriões o tipo de filme que estão realizando. Depois, quando Pearl começa a agir de forma perturbadora e pessoas passam a desaparecer, o clima na fazenda se torna tenso. Então, a tentativa de se realizar um sonho cinematográfico se transforma em uma luta desesperada pela sobrevivência, com o casal idoso revelando segredos macabros e motivações ligadas à repressão, envelhecimento e desejos frustrados.

Lorraine solta o grito, no instante em que começa a descobrir os perigos que se ocultam na fazenda de Howard e Pearl.
X – A Marca da Morte é inegavelmente uma grande homenagem aos slashers da década de 1970, conseguindo replicar, com precisão, a estética e o espírito da época. A fotografia, a cargo de Eliot Rockett, utiliza lentes e iluminação que emulam a textura granulada dos clássicos do Slasher. Outro ponto forte e bem interessante do filme de Ti West é a trilha sonora, composta por Tyler Bates e Chelsea Wolfe. A trilha tem um papel fundamental na ambientação com tons nostálgicos.

Na cena acima, mostrando em primeiro plano Bobby-Lynne, pode ser comprovado todo o talento de Eliot Rockett como diretor de fotografia.
É impossível falar de X – A Marca da Morte e não reconhecer a grande entrega de Mia Goth. Ela brilha como a jovem Maxine e a velha Pearl. E ainda era apenas o começo de sua trajetória como estrela em filmes de Terror. Mia também brilha no restante da Trilogia X e em Piscina Infinita (Infinity Pool), fita lançada em 2023.

A equipe de maquiadores de X – A Marca da Morte dá os retoques finais em Mia Goth, que já está transformada na velha Pearl.

Mia Goth, interpretando Gabi Bauer, a personagem feminina principal de Piscina Infinita.
Em X – A Marca da Morte, Ti West vai além do básico em filmes do gênero Slasher, pois consegue subverter expectativas. Em vez do típico assassino indestrutível e mascarado, como Michael Myers, da saga Halloween, ou Leatherface, de O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre, 1974), o diretor apresenta vilões frágeis fisicamente. Além disso, ao estar ligada à inveja da juventude e à repressão sexual, a motivação dos vilões de X – A Marca da Morte deixa tudo com uma profundidade psicológica intensa, fazendo-nos refletir a respeito de temas como o envelhecimento, a sexualidade na terceira idade e o puritanismo conservador.

O vilão Michael Myers, surgido em Halloween (Halloween – A Noite do Terror, 1978), filme dirigido por John Carpenter.

Um dos momentos marcantes de X – A Marca da Morte é quando Pearl observa Maxine dormindo.
O fato de Ti West não apelar para jump scares gratuitos, ou seja, aqueles sustos que aparecem do nada, normalmente com algo pulando e gritando na tela, é outro ponto de destaque.
X – A Marca da Morte faz paralelos entre o Pornô e o Terror, ambos gêneros cinematográficos marginalizados e considerados, até hoje, pleno século 21, uma afronta à sociedade mais conservadora. A narrativa religiosa ao fundo, com sermões televisionados, também pode ser considerada uma crítica ao fanatismo e à hipocrisia moral.

Bobby-Lynne e Jackson, uma referência às estrelas e aos astros do Pornô norte-americano dos anos 1970.
A produtora A24 é conhecida por garantir, mesmo que minimamente, que o diretor tenha uma maior liberdade criativa sobre sua obra. Por isso, em X – A Marca da Morte, cenas de violência mais sangrentas, com o uso de próteses e manequins, foram realizadas sem muito pudor, remetendo a cenas de horror gore típicas de clássicos dos diretores Lucio Fulci ou Tobe Hooper. Sua ambientação rural e por vezes claustrofóbica, além da existência de um lago na propriedade (nesse lago há um assustador crocodilo), intensifica a atmosfera de medo.

Jennifer O’Neill, gritando a plenos pulmões, em Premonição (Sette Note in Nero, 1977), um dos inúmeros filmes de Terror dirigidos pelo cineasta italiano Lucio Fulci (1927-1996).

Cartaz original (italiano) de Premonição.

Maxine nada tranquilamente no lago, desconhecendo que o local é o habitat de um crocodilo.
Outro diferencial de X – A Marca da Morte: suas diversas referências ao Cinema, principalmente a clássicos do Terror e do Suspense, mostrando como Ti West é um cinéfilo dos mais apaixonados e dedicados. Creio que sua referência mais clara é o já citado O Massacre da Serra Elétrica, dirigido por Tobe Hooper. A ambientação rural no Texas, o grupo de jovens em uma van e a fazenda isolada nos remetem diretamente a essa icônica fita de Terror. Psicose (Psycho, 1960), uma das obras-primas de Alfred Hitchcock, é representado pela dualidade entre Maxine e Pearl. Uma dualidade que faz alusão à complexidade psicológica de Norman Bates, personagem interpretado por Anthony Perkins. E a repressão sexual dos vilões evoca a moralidade repressiva costumeira dos filmes de Hitchcock. Quanto à loucura gradativa de Pearl, ela lembra a deterioração mental de Jack Torrance (Jack Nicholson), em O Iluminado (The Shining, 1980), dirigido por Stanley Kubrick. Garganta Profunda (Deep Throat, 1972), do diretor Gerard Damiano, serve como uma referência a todos os demais clássicos filmes pornôs de pretensões mais “artísticas” do período que o filme de Ti West busca homenagear. Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980), dirigido por Sean S. Cunningham, é um dos slashers mais icônicos. Nele, assim como em X, o sexo é associado à morte e temos uma moralidade punitiva; mas, implicitamente, há uma subversão que desafia o puritanismo da sociedade. Por fim, da mesma forma que Pânico (Scream, 1996), dirigido por Wes Craven, X – A Marca da Morte utiliza a metalinguagem e a discussão sobre as regras do Slasher de uma maneira mais evidente e reflexiva.
Ao rever o filme, pude perceber essas referências. Agora, se eu o assistir novamente, irei, com certeza, reparar em outras.

Cartaz original (estadunidense) de O Massacre da Serra Elétrica.

Cartaz original (estadunidense) de Psicose.

Anthony Perkins (1932-1992), interpretando Norman Bates, em Psicose.

Jack Nicholson, representando o personagem Jack Torrance, em O Iluminado.

Cartaz original (estadunidense) de Garganta Profunda.

Linda Lovelace (nascida Linda Susan Boreman, 1949-2002), a estrela de Garganta Profunda.

Cartaz original (estadunidense) de Sexta-Feira 13.

Cartaz original (estadunidense) de Pânico.
Concluindo: X – A Marca da Morte é o ponto de partida para uma das trilogias mais interessantes do cinema de Terror recente, além de ser um filme muito bom de maneira geral. A partir dele, começamos a ficar atentos aos trabalhos do diretor Ti West, como também às brilhantes atuações de Mia Goth.

Cartaz original (estadunidense) de X – A Marca da Morte.
X – A Marca da Morte (X, Estados Unidos, 2022, 106’)
Direção: Ti West
Roteiro: Ti West
Fotografia: Eliot Rockett
Montagem: David Kashevaroff & Ti West
Música: Tyler Bates & Chelsea Wolfe
Elenco: Mia Goth (Maxine e Pearl), Jenna Ortega (Lorraine), Brittany Snow (Bobby-Lynne), Scott Mescudi (Jackson), Martin Henderson (Wayne), Owen Campbelll (RJ), James Gaylyn (xerife Dentler), Simon Prast (Ernest Miller, um pastor da televisão), Stephen Ure (Howard), Bryony Skillington (balconista)
Bruno Ricardo de Souza Dias é licenciado em História e um grande conhecedor de filmes.