EM BUSCA DOS FILMES PERDIDOS NA MEMÓRIA – PRIMEIRA PARTE

Aurélio P. Cardoso
Edição: Marco Aurélio Lucchetti

“Há filmes que vi oito, até quinze vezes.
É
possível viver sem Hitchcock ou Rossellini?”
F
rases extraídas do filme Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, 1964), de Bernardo Bertolucci

Tenho um amigo que sempre me perguntava se eu tinha notícias de um filme dos anos 1960. Ele não sabia o título do filme. Só sabia que era com Burt Lancaster e citava uma das cenas.
A cena em questão mostrava um homem que quer chegar em casa nadando através das piscinas dos vizinhos.
Depois de muito tempo, consegui, enfim, desvendar o mistério.  Falei para o meu amigo que o tal filme é um clássico e se chama Enigma de uma Vida (The Swimmer, 1968). Foi dirigido por Frank Perry & Sydney Pollack. E a respeito dele o saudoso crítico Rubens Ewald Filho disse o seguinte no livro Os Filmes de Hoje na Tevê (São Paulo, Global, 1975, p. 71):

“Drama simbólico baseado em conto de John Cheever. Burt Lancaster nada através das piscinas da vizinhança até sua casa, encontrando vários tipos e passando por várias fases de sua vida. O filme é obscuro porque foi remontado pelo produtor (Sydney Pollack refez a cena com a amante). A censura deixou passar a nudez de Lancaster.”

Burt Lancaster, numa cena de Enigma de uma Vida.

Esse meu amigo me confessou que o filme o havia impressionado e queria vê-lo de novo de qualquer maneira. Dei-lhe, então (isso foi por volta do ano 2000), uma notícia não muito boa: Enigma de uma Vida não havia sido lançado em DVD; e os canais de televisão (pelo menos, os canais da tevê aberta) não tinham interesse em exibi-lo, já que era antigo.
Também não cheguei a ver por inteiro Enigma de uma Vida. Devo ter assistido a apenas algumas partes em algum Corujão da Globo na década de 1980. Entretanto, a obsessão do meu amigo em ver o filme me intrigou e despertou minha curiosidade. E também quis assistir a Enigma de uma Vida.
Foi somente em 2012, quando a fita foi lançada em DVD pela Lume Filmes, que pude ver, finalmente, Enigma de uma Vida.

Alguns anos atrás, outro conhecido citou um trecho de um filme que considera maravilhoso, contando detalhes de uma cena com o ator italiano Marcello Mastroianni.
Demorei para decifrar o título do filme, pois não o apreciara muito. É Olhos Negros (Oci Ciornie, 1987), um filme ítalo-soviético-estadunidense dirigido por Nikita Mikhalkov, irmão do também cineasta Andrei Konchalovsky.

Uma cena de Olhos Negros.

A fim de não melindrar meu amigo, falando mal de Olhos Negros, que alinhava vários contos do escritor russo Anton Tchekhov, eu disse que não tinha assistido ao filme. Então, meu amigo me emprestou o DVD do filme.
Estou lembrando agora que o DVD está até hoje comigo. Preciso devolvê-lo e dizer que adorei Olhos Negros. Se eu não fizer isto, perco um amigo.
Fiz essa introdução para dizer que o culto a um determinado filme – culto esse que nos leva a tecer elogios rasgados – nos transforma em idólatras de obras às vezes pouco famosas e/ou conhecidas do grande público. São filmes que, em alguma ocasião de nossas vidas, nos fizeram reféns, permanecendo retidos em algum canto de nossa memória afetiva.
Devo destacar que não se pode discutir gosto com um idólatra de alguma obra cinematográfica. Afirmo isso porque também defendo com unhas e dentes os filmes que venero. Inclusive, quase fui linchado, certa vez, quando fiz grandes elogios ao filme Scarface (idem, 1983), dirigido por Brian De Palma e estrelado por Al Pacino e Michelle Pfeiffer.
Em minha defesa deste filme, que diversos críticos consideram possuir muitas cenas de violência excessiva e gratuita, linguagem forte (uso de palavrões) e frequente uso gráfico de droga pesada, cheguei a contar, com minúcia de detalhes, sequências inteiras (uma delas é a da motosserra) que achava maravilhosas.
Com o decorrer dos anos, Scarface passou a receber críticas positivas, sendo elogiado até mesmo pelo diretor Martin Scorsese. E, atualmente, é considerado por alguns críticos como um dos melhores filmes de máfia de todos os tempos.

Al Pacino, interpretando Tony Montana, um chefão do tráfico de drogas em Miami, e Michelle Pfeiffer, representando Elvira Hancock, a esposa de Tony, em Scarface.

Por falar em Brian De Palma, ele é, em minha opinião, um fabricante de filmes cult, como O Fantasma do Paraíso (Phantom of the Paradise, 1974) e Femme Fatale (idem, 2002). Não se fica indiferente ao seu modo de realizar filmes. De Palma parece colocar sua digital em cada tomada de qualquer um de seus filmes. Mas muitos torcem o nariz e menosprezam-no, falando que ele é um cineasta menor e imitador de Alfred Hitchcock. No entanto, o escritor e roteirista Rubens Francisco Lucchetti, mais conhecido como R. F. Lucchetti, um fã incondicional de Hitchcock, sempre nutriu certa admiração pelo cinema de De Palma, principalmente pelo filme Dublê de Corpo (Body Dublê, 1964), que presta homenagem a duas obras-primas dirigidas por Hitchcock, Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) e Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958).

Uma cena de O Fantasma do Paraíso.

Rebecca Romijn-Stamos, a estrela de Femme Fatale.

Craig Wasson e Deborah Shelton (em 1970, ela foi eleita Miss Estados Unidos), interpretando Jake Scully e Gloria Revelle, em Dublê de Corpo.

Para os amantes de filmes cult, o que vale é a veneração, a exaltação, a descoberta. É a extraordinária identificação entre obra cinematográfica e espectador, fazendo com que filmes que tiveram pouca repercussão na época de sua estreia – como exemplos, cito Rastros de Ódio (The Searchers, 1956), de John Ford; Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971), de Don Siegel; Encurralado (Duel, 1971), de Steven Spielberg; A Rainha Diaba (1974), de Antônio Carlos Fontoura; Chuvas de Verão (1978), de Carlos Diegues; Mad Max (idem, 1979), de George Miller; Baile Perfumado (1996), de Paulo Caldas & Lírio Ferreira; Matrix (The Matrix, 1999), das irmãs Lilly & Lana Wachowski – acabem, com o passar do tempo, se tornando objetos de culto.   

Aurélio P. Cardoso é pesquisador, crítico e ativista da área de Cinema.


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