EM BUSCA DOS FILMES PERDIDOS NA MEMÓRIA – SEGUNDA PARTE

Aurélio P. Cardoso
E
dição: Marco Aurélio Lucchetti

O filme cult não é necessariamente um filme de Arte, nem propriamente aquele que passa mensagens pseudofilosóficas que apenas críticos e intelectuais entenderiam. Não é também o filme da estação (ou da temporada), ou seja, um blockbuster que, após uma maciça campanha de propaganda (são essas campanhas de propaganda que influenciam as pessoas a irem ao cinema, gerando, dessa forma, grandes bilheterias), some sem deixar vestígio, como os do produtor Jerry Bruckheimer, cujas fitas são, em sua maioria, comerciais, evasivas e fúteis.
O filme cult é o filme que se torna objeto de culto pelo espectador comum ou pelo cinéfilo e que, com o tempo, passa a usufruir um status de obra importante, sem ter tido uma forte campanha de marketing ou sem possuir, muitas vezes, um elenco milionário ou efeitos especiais.
Há alguns anos, ao atuar no ramo de aluguel de VHS e DVDs, deparei-me com pessoas procurando os mais diversos tipos de filmes e venerando obras que os críticos malham mais que Judas no Sábado de Aleluia. Respeito tais obras, pois, ao serem cultuadas, é sinal de que pelo menos atingiram um público específico. Um exemplo é Em Nome de Deus (Stealing Heaven, 1988). Ninguém apostava em tal filme, que foi distribuído, sem alarde algum, diretamente no mercado de vídeo. Entretanto, acabou sendo um sucesso, graças às mulheres, que se debulhavam em lágrimas, assistindo ao romance proibido de Peter Abelard e Helóïse de Argenteuil na Paris da Idade Média.

Derek de Lint e Kim Thomson, interpretando Peter Abelard e Helóïse de Argenteuil, no filme Em Nome de Deus.   

O público feminino, aliás, consegue transformar filmes que mexem com sua sensibilidade em estrondosos sucessos, fazendo alarido de boca em boca – como disse Martin Scorsese: “As pessoas se interessam por determinado filme quando ouvem falar bem dele.” Alguns exemplos são os filmes: As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County, 1995), Amor Além da Vida (When Dreams May Come, 1998), Cidade dos Anjos (City of Angels, 1998) e Uma Carta de Amor (Message in a Bottle, 1999), que foram fenômenos de procura nas videolocadoras, mesmo anos depois de seu lançamento. As mulheres adoram ver e rever tais filmes, enquanto degustam caixas e caixas de chocolate.
A título de curiosidade: uma amiga disse que, sempre que está deprimida, assiste a Casablanca (idem, 1942) ou Sabrina (idem, 1954).

Outro dado interessante: muitos filmes que fracassam no mercado norte-americano terminam encontrando um ótimo público no Brasil.
Um dos casos mais curiosos é o de Horizonte Perdido (Lost Horizon, 1973).

Mistura de filme de Aventura, Drama e Musical, Horizonte Perdido, que é baseado no clássico romance escrito por James Hilton, foi um fracasso retumbante nos Estados Unidos. Porém, em território brasileiro, alcançou grande sucesso, ficando, na época, mais de um ano em alguns cinemas de São Paulo.
Na verdade, não há uma regra para um filme se tornar objeto de culto.
Há, por exemplo, aqueles que cultuam os filmes do Mazzaropi. Existem outros que cultuam os do Fellini, ou os do Steve Reeves ou a trilogia da Sissi, estrelada por Romy Schneider. Há também aqueles que transformam em cult os filmes de artes marciais com Bruce Lee, as comédias eróticas com Lando Buzzanca, os spaghetti westerns dirigidos por Lucio Fulci… Há também pessoas que cultuam apenas um filme. Por exemplo, tenho um amigo que é fanático por Amarcord (idem, 1973), de Fellini. Ele é tão fanático pela fita que, imitando um dos personagens, costuma subir em árvores e fica gritando: “Voglio una donna.” Outro amigo meu gostou tanto de Os Suspeitos (The Usual Suspects, 1995) que vive perguntando: “Onde está Keizer Söze?” Há ainda outro conhecido que é fã de Apocalypse Now (idem, 1979). Então, imita o tenente-coronel Kilgore e fala: “Eu adoro o cheiro de napalm de manhã.”

Romy Schneider (nome artístico de Rosemarie Magdalena Albach, 1938-1982), representando a imperatriz austríaca Sissi.

Lando Buzzanca (1935-2022) e Barbara Bouchet, numa cena da comédia erótica Vamos Fazer o Amor? (Il Debito Coniugale, 1970).

Cartazete original (italiano) de Vamos Fazer o Amor?

Ilustração feita para o cartaz de Os Quatro do Apocalipse (I quattro dell’ Apocalisse, 1975).
B
aseado em “The Luck of Roaring Camp” (1868) e “The Outcasts of Poker Flat” (1869), dois contos de autoria do escritor norte-americano Bret Harte (Francis Bret Harte, 1836-1902), Os Quatro do Apocalipse é um dos três spaghetti westerns dirigidos por Lucio Fulci (1927-1996), mais conhecido por filmes de Terror.

Algo que desejo destacar é que, nos anos 1980, quando fazíamos a programação do Cineclube Cauim, o Fernando Kaxassa e eu sempre procurávamos programar filmes – que se tornaram objeto de culto – que poderiam agradar ao público em geral e que fugissem do rótulo de obras pedantes, pretensiosas e herméticas, enfim, fitas com gosto rançoso de arte elitista. Queríamos criar um novo ciclo de espectadores, pois, como bem disse o cineasta Ivan Cardoso, “os filmes mais marcantes são os primeiros a que você assiste em sua vida”. E a diversidade era a melhor arma. Seguíamos um axioma citado pelo diretor francês François Truffaut: “Um filme normal, mas enérgico, pode ser melhor Cinema do que um filme inteligente e frouxo.”

Nas duas fotos acima, Ornella Muti (nome artístico de Francesca Romana Rivelli) e Adriano Celentano, os intérpretes principais O Solteirão Amansado (Il Bisbetico Domato, 1980), uma comédia italiana inspirada na peça A Megera Domada (The Taming of the Shrew, 1594), de William Shakespeare (1564-1616).
D
irigido por Castellano & Pipolo, O Solteirão Amansado foi exibido no Cineclube Cauim por volta de 1988.

Outra coisa que quero destacar é que eu também estou à procura de um filme perdido em minha memória. É um filme que vi, nos meados dos anos 1970, no extinto Cine Plaza, no centro de Ribeirão Preto: Corrida Contra o Destino (Vanishing Point, 1971).
Dirigido por Richard C. Sarafian e roteirizado por Guillermo Cabrera Infante, Malcolm Hart & Barry Hall, Corrida Contra o Destino me deixou atordoado, ao mostrar as proezas de um outsider, Kowalski, a bordo de seu super veloz Dodge Challenger.

Barry Newman (Barry Foster Newman, 1930-2023), interpretando Kowalski, em Corrida Contra o Destino.

Corrida Contra o Destino é uma fita que está marcada em minha memória. E tenho medo de revê-la e perder o encanto por ela. Mas sempre será um filme cult. Isso porque o filme cult é aquele que mexe com todos os sentidos do espectador e não o deixa indiferente.

Os protagonistas de Corrida Contra o Destino: Kowalski e seu potente Dodge Challenger.

Aurélio P. Cardoso é pesquisador, crítico e ativista da área de Cinema.


“Minha grande paixão é o Cineclube Cauim, uma ONG que tem como objetivo disseminar a cultura através da música, teatro e cinema, para que a população do município possa usufruir de uma ferramenta educacional.”

– Sócrates, jogador

O Cineclube Cauim é uma entidade sem fins lucrativos fundada em 1979 e patrimônio da cidade de Ribeirão Preto – SP e do Brasil, promove a cidadania através da Cultura e Educação.

Onde Estamos

Contato

Telefone: (16) 3441-4341
E-mail: atendimento@cauim.org

Doações Avulsas

Chave PIX: salve@cauim.org

Transferência Bancária

Banco: Banco do Brasil
Agência: 0028-0
Conta-corrente: 45183-5
CNPJ: 51.820.371/0001-50
Razão Social: Cineclube Cauim

Doações Recorrentes

Ambiente 100% seguro. Tecnologia Apoia-se.

© 2025 · Cineclube Cauim · CNPJ: 51.820.371/0001-50