REFLEXÕES A RESPEITO DA DERROTA DE DEMI MOORE NO OSCAR

Bruno Ricardo de Souza Dias
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dição: Marco Aurélio Lucchetti

Na última edição do Oscar, nós, brasileiros, ficamos mais ligados do que o habitual na cerimônia de premiação. Afinal, o filme nacional Ainda Estou Aqui (2024), do diretor Walter Salles, conseguiu a façanha de concorrer a três categorias: Melhor Atriz, Melhor Filme Internacional e à inédita indicação para Melhor Filme.
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omo sabemos, a fita conquistou a estatueta de Melhor Filme Internacional.
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omento histórico!.
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oi o primeiro Oscar para o Brasil em todos os tempos, o que ocasionou uma grande festa pelas ruas de algumas cidades brasileiras, pois a cerimônia ocorreu coincidentemente na mesma noite do domingo de Carnaval.

Fernanda Torres, interpretando Eunice Paiva, numa cena de Ainda Estou Aqui.

Mesmo felizes com essa conquista, a expectativa de muitos brasileiros ainda não tinha terminado, já que havia uma possibilidade de que Fernanda Torres, embora correndo por fora, também pudesse levar o prêmio, porque ela conquistara o Globo de Ouro de Melhor Atriz em filme de Drama e estava sendo muito elogiada e apontada, por alguns veículos ligados ao Cinema, como uma possível vencedora. Entretanto, o esperado prêmio acabou indo para as mãos de Mikey Madison, pela sua atuação em Anora (escrito, dirigido e montado por Sean Baker), que também conquistaria, entre outros prêmios, o mais cobiçado da noite: o Oscar de Melhor Filme.

Mikey Madison, exibindo o Oscar de Melhor Atriz.

Apesar da decepção que sentimos pela derrota de Fernanda Torres, nós, brasileiros, sabíamos que seria difícil ela vencer, em virtude de o Oscar ter sido criado pela indústria cinematográfica americana para premiar preferencialmente ela própria.
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as o que pretendo falar aqui é um ponto bem mais complexo: a derrota da grande favorita Demi Moore, que concorria ao Oscar de Melhor Atriz pelo seu desempenho em A Substância (The Substance, 2024), longa-metragem dirigido pela cineasta francesa Coralie Fargeat.

Demi Moore, interpretando a personagem Elisabeth Sparkle, em A Substância.

Demi Moore ascendeu ao estrelato em Hollywood nos anos 1980 e consolidou seu nome na primeira metade da década de 1990, protagonizando grandes sucessos do Cinema, como Ghost – Do Outro Lado da Vida (Ghost, 1990), Proposta Indecente (Indecent Proposal, 1993) e Assédio Sexual (Disclosure, 1994), e sendo alçada à categoria de musa e sex symbol.

Demi Moore, numa cena de Assédio Sexual, filme estadunidense baseado em livro escrito por Michael Crichton (1942-2008).

Então, representando papéis que possibilitavam sua beleza ser sempre exaltada e fetichizada, Demi era vista pela indústria hollywoodiana e por milhões de fãs espalhados mundo afora, como uma das maiores estrelas do momento. Porém, a atriz buscou sair desse clichê imposto por Hollywood e atuou nos dramas A Jurada (The Juror, 1996) e Até o Limite da Honra (G.I. Jane, 1997).

Demi Moore, representando a tenente Jordan O’Neil, em Até o Limite da Honra.

Seu desempenho nesses dois filmes não foi reconhecido pela crítica e pelo público da mesma maneira que seu trabalho em fitas que privilegiavam sua beleza e sex appeal. Demi chegou, inclusive, a “ganhar” o desonroso prêmio Framboesa de Ouro (o Oscar reverso” foi concedido pela primeira vez em 1981 e, desde então, premia os piores filmes, os piores atores, as piores atrizes etc. apresentados ao longo de cada ano) de Pior Atriz em 1996, por sua atuação em A Jurada. No mesmo ano, ela e Burt Reynolds ganharam o Framboesa de Ouro de Pior Casal na Tela, ao atuarem na fita Striptease (idem, 1996).

Demi Moore, numa cena de Striptease.

Foi por sua atuação em Striptease que Demi Moore viu sua carreira em Hollywood começar a desandar.
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o filme, ela interpretou Erin Grant, secretária no FBI que perde o emprego por causa dos golpes do ex-marido e passa a trabalhar como stripper, a fim de reaver a guarda da filha, Angela (interpretada por Rumer Willis, a filha mais velha de Demi e do ator Bruce Willis). E, em sua luta para recuperar a tutela de Angela, Erin tem que enfrentar, além do ex-marido, um congressista pervertido e políticos corruptos.

Demi e Rumer Willis, em Striptease.

Apesar de ter tido uma intensa campanha de marketing, Striptease, que explora a seminudez de Demi, não foi sucesso de público. E desagradou os críticos, que não apreciaram nem um pouco o desempenho da atriz.
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aí em diante, a carreira de Demi Moore não seria mais a mesma. Suas tentativas de estrelar importantes filmes populares foram infrutíferas, sobrando-lhe trabalhos menores e atuações principalmente em fitas independentes. Isso prosseguiu, até sua reabilitação em A Substância.
Aí, voltamos ao Oscar.
Demi Moore foi ganhando favoritismo ao maior prêmio do Cinema, graças à campanha do filme e à sua atuação, que foi exaltada como a mais perfeita de sua carreira e a trazia de volta aos holofotes do grande público.
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emi foi se consolidando na disputa pelo Oscar de Melhor Atriz, ao vencer inúmeras honrarias de prestígio, como o Globo de Ouro, Satellite Awards, Critics’ Choice  e o SAG (do Sindicato dos Atores de Hollywood), entre vários outros.

Demi Moore, discursando, após ter ganho o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme – Musical ou Comédia.
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cerimônia de premiação do Globo de Ouro ocorreu em 5 de janeiro de 2025, no hotel The Beverly Hilton, em Beverly Hills, na Califórnia.

Nas principais apostas, o Oscar para Demi Moore parecia ser certo, tendo em vista toda a trajetória da temporada de premiações e o forte discurso de Demi sobre como sua carreira tinha sido deixada de lado em Hollywood, que nunca lhe deu o merecido reconhecimento. Assim, esse deveria ser o momento de redenção de Demi Moore na maior festa do Cinema, pela sua atuação em um filme que parece contar sua própria história como estrela cinematográfica. Porém, para surpresa de muitos, quando anunciaram a ganhadora do Oscar de Melhor Atriz, não foi o nome de Demi Moore que se ouviu. Foi o de Mikey Madison, de apenas vinte e cinco anos de idade, que já havia vencido o BAFTA da Academia Britânica de Cinema e era a principal oponente de Demi.

A reação de Demi Moore, ouvindo o nome de outra ser anunciado como a vencedora da noite, foi aterradora. Por mais que ela procurasse disfarçar e aplaudir Mikey Madison, era evidente seu espanto e descontentamento. Afinal, se não vencera por sua atuação em A Substância e por todo o contexto do filme, ela não deverá ser reconhecida pelo Oscar nunca mais.

Mikey Madison, interpretando a stripper nova-iorquina Anora Mikheeva, em Anora.

Considero que Mikey Madison, assim como Fernanda Torres, teve uma atuação de destaque e estava realmente entre as melhores do ano. Portanto, o fato de ter saído vencedora não é, de maneira alguma, uma aberração, como já ocorreu em outras oportunidades (a vitória de Gwyneth Paltrow, que, em 1999, concorria com Fernanda Montenegro, Cate Blanchett e Meryl Streep, é um desses exemplos mais evidentes). Entretanto, ironicamente, Mikey conquistava um Oscar por um papel bem parecido com aquele pelo qual Demi Moore foi humilhada nos anos 1990 e que quase acabou com sua história de atriz de sucesso. Tudo bem, vivemos outros tempos e a sociedade mudou de lá para cá, mas a lembrança e a comparação são inevitáveis.
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orém, a “ironia” não para aí: o fato de Demi Moore perder o prêmio para uma atriz bem mais jovem do que ela remete imediatamente ao seu próprio papel em A Substância, onde sua personagem, Elisabeth Sparkle, tem um programa de aeróbica na televisão e, por estar ficando velha, é trocada por uma mulher com aproximadamente a metade da sua idade. Essa mulher, Sue, interpretada por Margaret Qualley, é uma versão da própria Elisabeth.

Margaret Qualley, interpretando Sue (uma versão melhorada e mais nova de Elisabeth Sparkle), em A Substância.

Abre um parêntese.
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obre A Substância escrevi o texto “A Substância – Polêmico, Chocante e Visceral, Uma Redenção de Demi Moore”, que pode ser encontrado e lido neste site. Aqueles que desejarem ler o texto, cliquem no seguinte link: https://cauim.org/a-substancia-polemico-chocante-e-visceral-uma-redencao-de-demi-moore/.
Fecha o parêntese.
Muitas críticas surgiram quanto à premiação do Oscar de Melhor Atriz e seu possível etarismo. Contudo, é difícil afirmarmos, com certeza, se houve discriminação etária, ainda que, de tempos em tempos, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas busca dar mais ênfase a uma jovem atriz que está alçando voos rumo ao estrelato (aqui podemos citar novamente Gwyneth Paltrow).
Levando em conta essa crítica, é importante buscarmos o histórico recente da Academia: nas últimas dez edições, o Oscar de Melhor Atriz foi concedido quatro vezes a mulheres com menos de quarenta anos [Brie Larson, Emma Stone (duas vezes) e Mikey Madison] e seis vezes a mulheres acima dessa idade [Frances McDormand (duas vezes), Olivia Colman, Renée Zellweger, Jessica Chastain e Michelle Yeoh], mostrando nesse recorte atual um equilíbrio em relação à entrega do prêmio a mulheres maduras e a mulheres mais novas.
Não há dúvida de que o etarismo é um ponto a ser discutido em Hollywood, no que se refere às mulheres. No entanto, ao menos em termos da premiação no Oscar, esse não parece ser um problema evidente.

Emma Stone, considerada Melhor Atriz em duas edições do Oscar: 2017 e 2024.

Mas existe outro ponto importante que merece reflexão, no que diz respeito a Demi Moore ter perdido o Oscar: o fato de ela haver sido indicada por sua atuação em um filme de Terror, gênero que a Academia ignora totalmente desde sempre, ainda mais se tratando de uma obra de horror corporal bastante chocante e polêmica.
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sabido que o Oscar foi criado para premiar os grandes filmes de Drama, que ficavam muito longe da popularidade de filmes de gênero, como, por exemplo, as comédias de Charles Chaplin.

A foto acima, retirada de Tempos Modernos (Modern Times), um clássico do Cinema, mostra os atores principais do filme: Paulette Goddard (1910-1990) e Charles Chaplin (1889-1977).
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ançado em 1936, Tempos Modernos foi escrito, produzido, dirigido e estrelado por Charles Chaplin, responsável também pela trilha sonora do filme.

Abre outro parêntese.
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haplin praticamente foi ignorado pela Academia (em 1972, ele recebeu um Oscar Honorário), apesar de ele sempre ter demonstrado não ligar muito para o prêmio.
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echa esse parêntese.
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credito que já passou da hora do reconhecimento do Terror, que sempre foi jogado a escanteio, mesmo sendo, em minha opinião, um dos gêneros mais cinematográficos e ousados.
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penas uma única vez um filme considerado de Terror venceu o Oscar de Melhor Filme. Foi O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991), dirigido por Jonathan Demme. Surpreendentemente, o filme ganhou também o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado (Ted Tally), Melhor Diretor, Melhor Ator (Anthony Hopkins) e Melhor Atriz (Jodie Foster). Mas, convenhamos, apesar de ser uma obra-prima, ele está muito mais para um suspense ou horror psicológico do que para a sanguinolência explícita de A Substância.
Já tivemos outras atuações premiadas em filmes de Terror, Suspense ou de estéticas mais sombrias: Ruth Gordon (Melhor Atriz Coadjuvante – 1969), por O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968); Kathy Bates (Melhor Atriz – 1991), por Louca Obsessão (Misery, 1990); e Natalie Portman (Melhor Atriz – 2011), por  Cisne Negro (Black Swan, 2010). No entanto, são exceções que confirmam a regra. Isso fica evidente em tempos mais recentes, quando atuações femininas de muito destaque em filmes desse perfil foram ignoradas [Toni Collette, por Hereditário  (Hereditary, 2018); Lupita Nyong’o, por Nós (Us, 2019); e Mia Goth, por Pearl (idem, 2022)], motivando muitas críticas do público e questionamentos sobre o motivo de o Terror ser tão desprezado no Oscar.

Natalie Portman, interpretando Nina Sayers, uma perfeccionista bailarina profissional, em Cisne Negro.

Mia Goth, representando Pearl, uma jovem paranoica, em Pearl, um filme do gênero Slasher.

Creio, acima de tudo, ser importante uma análise crítica ampla sobre o etarismo hollywoodiano, mas também sobre como um gênero como o Terror sofre tamanho preconceito justamente pelos seus próprios pares da indústria.
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ão tenho dúvida de que, quando o gênero passar a ter a atenção e o destaque merecidos, alguns filmes serão considerados – da mesma forma que os grandes dramas – de primeira linha. Então, magníficas e ousadas atuações, como a de Demi Moore em A Substância receberão, fatalmente, o devido reconhecimento.

Bruno Ricardo de Souza Dias é licenciado em História e um grande conhecedor de filmes.

 


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