MINHAS IMPRESSÕES A RESPEITO DE JEAN ROLLIN

R. F. Lucchetti
Durante décadas… Para ser mais preciso, durante uns trinta e sete anos, vi fotos dos filmes dirigidos pelo cineasta francês Jean Rollin publicadas em revistas francesas e de outros países europeus. Eu via as fotos e ficava imaginando como seriam essas fitas. Não tinha nem ideia das histórias que elas narravam. Mas sabia que seriam filmes que iriam me agradar, pelo que as fotos mostravam. E não me enganei, quando, por volta de 2010, assisti a diversos filmes de Rollin. E só pude vê-los graças ao amigo Valter Martins de Paula, que os encontrou na internet (as principais fitas do cineasta estão disponíveis na internet, e muitas delas encontram-se legendadas em Português) e copiou-os em vários DVDs. Aproveito a oportunidade para dizer que esses DVDs foram uns dos melhores presentes que já ganhei na vida.

Jean Rollin era um diretor ímpar. Para mim, não houve – nem haverá – outro igual.
Muitos não gostam de seus filmes, acham-nos sem sentido. Na realidade, Rollin não estava preocupado em contar uma história da forma tradicional. Preocupava-se em contá-las de uma maneira surreal. Era, sobretudo, um poeta da imagem. Cada fotograma de suas fitas é um quadro. Para que comprovem o que estou dizendo, recomendo assistirem ao filme La Rose de Fer (1973), inspirado em Romeu e Julieta (de William Shakespeare) e tendo como cenário um cemitério à noite.

Por falar em cemitérios, Jean Rollin foi um dos cineastas que melhor soube explorar ruínas e campos-santos no Cinema.
Para o crítico e ensaísta francês Roger Caillois (1913-1978), “todo o fantástico é ruptura da ordem estabelecida, irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade cotidiana”. Eu acrescentaria que o fantástico (do qual se deriva o horror) é quando o surreal e o irreal irrompem no real.

E a imagem acima, retirada do filme Le Frisson des Vampires (realizado por Rollin em 1971), representa bem o que afirmou Caillois. Por que pode haver algo mais surreal e irreal do que uma noiva exuberante (vestida de branco) num cemitério?
Eu creio que, como eu, Jean Rollin não via muito sentido na vida real. Por isso, criava enredos surreais. Criava também personagens surreais, como a vampiresa Isolde (interpretada por Dominique), que, numa das sequências mais memoráveis de Le Frisson des Vampires, surge saindo de dentro de um carrilhão. Será que há uma cena
mais surreal do que essa?

Não posso deixar de citar aqui uma personagem marcante criada por Jean Rollin: Élizabeth (representada por Marie-Georges Pascal), a mocinha que, em Les Raisins de la Mort (1978), passa o tempo todo fugindo de um bando de zumbis.
Sobre Les Raisins de la Mort, Jean Rollin disse que foi sua “primeira produção tradicional, quase convencional”. Quanto à atuação de Marie-Georges Pascal (1946-1985) no filme, ele declarou ter sido muito “comovente”.

Uma de minhas frustrações é a de não ter conhecido, ou melhor, haver trabalhado com Jean Rollin, que era um esteta, um visionário.
Eu gostaria de ter escrito o roteiro de Le Frisson des Vampires, que possui algumas das mais belas imagens que já vi numa fita.
Qualquer fotograma de Le Frisson des Vampires vale mais do que a maioria dos cursos de Cinema e de Audiovisual que pululam pelos quatro cantos do mundo. Cada fotograma desse filme é Cinema (para mim, Cinema é a arte da expressão pela imagem) em estado puro.

Uma das características das fitas de Rollin: suas personagens femininas, como Ise (vivida por Sandra Julien) em Le Frisson des Vampires, assemelham-se a manequins de passarela, devido a seus rostos inexpressivos, o que aumenta ainda mais o tom surreal dos filmes.

Concluindo: a morte de Jean Rollin, ocorrida em 2010, foi uma grande perda. Não só para o Cinema de Horror, mas para o Cinema, de um modo geral.
R. F. Lucchetti (Rubens Francisco Lucchetti, 1930-2024) foi ficcionista e roteirista de Cinema & Quadrinhos.