CLAUDE CHABROL

R. F. Lucchetti
Edição: Marco Aurélio Lucchetti
Desde os meados da década de 1960 que sou um fã dos filmes do cineasta francês Claude Chabrol (1930-2010). Porém, eu o conheci muito antes. Mais precisamente no dia 9 de setembro de 1959, quando adquiri um exemplar de Hitchcock, um livro que ele escreveu em parceria com Éric Rohmer (1920-2010).

Sexto volume da coleção Classiques du Cinéma, Hitchcock foi lançado pelas Éditions Universitaires, de Paris, em 1957, e é, salvo engano, o primeiro grande trabalho escrito sobre o Mestre do Suspense.
Chabrol deve ter aprendido muito com Alfred Hitchcock (1899-1980), pois era um experiente realizador de fitas em que se misturam suspense e dramas psicológicos.
Em seu Dicionário de Cineastas (Dictionnaire des Cinéastes), Georges Sadoul (1904-1967), o maior historiador de Cinema nascido na França, afirmou o seguinte a respeito de Claude Chabrol:
“Diretor original, estreou com a sinceridade de Nas Garras do Vício (1958) e o esplendor de Os Primos (1959). Diz ele: ‘O problema do cineasta é duplo: fazer compreender o seu pensamento ao maior número de pessoas, o que é um problema de forma, e desmontar o mecanismo da realidade. O cineasta deve, antes de tudo, evitar o sentimento falso e mostrar que o honesto de uma sociedade alienada está na putrefação dos valores fundamentais.’ Depois de um longo purgatório nos filmes policiais, em que recolhia as suas garras, embora lançando por vezes disfarçadamente as suas patadas, pôde, enfim, em 1967, com O Escândalo, voltar aos temas que considerava sérios: o pôr a nu as baixezas da burguesia, em narrativas cuidadosamente fechadas em si próprias.”
Cartaz original (francês) do filme O Escândalo (Le Scandale).
Certa vez, minha grande amiga Mariana Portella (ela era uma cinéfila de carteirinha, e eu a considerava a filha que nunca tive), infelizmente já falecida, me perguntou: “Qual é seu filme preferido de Claude Chabrol?”
Em resposta à pergunta da Mariana, eu citei duas fitas: A Mulher Infiel (La Femme Infidèle, 1969) e Os Inocentes de Mãos Sujas (Les Innocents aux Mains Sales, 1975).
A Mulher Infiel é um filme perfeito, tendo como personagem central uma mulher burguesa, Hélène Desvallées, interpretada por Stéphane Audran (1932-2018), que, na época, era esposa de Chabrol.
Casada com o corretor de seguros Charles Desvallées (Michel Bouquet) e mãe de um menino, Hélène provoca a destruição de sua família e de seu lar, ao ter um relacionamento extraconjugal.
Há uma refilmagem de A Mulher Infiel: Infidelidade (Unfaithful, 2002), dirigida por Adrian Lyne e estrelada por Diane Lane e Richard Gere. Mas não se compara ao filme de Chabrol.

Michel Bouquet e Stéphane Audran, numa cena de A Mulher Infiel.
Já Os Inocentes de Mãos Sujas, um filme de Suspense repleto de reviravoltas, apresenta uma Romy Schneider (nome artístico de Rosemarie Magdalena Albach, 1938-1982) muito diferente da virginal figura da imperatriz austríaca Sissi, papel que a consagrou em três fitas dirigidas por Ernst Marischka (1893-1963) e realizadas entre 1955 e 1957.
Em Os Inocentes de Mãos Sujas, Romy interpretou uma mulher que planeja com o amante a morte do marido rico e beberrão.

Romy Schneider, a atriz principal de Os Inocentes de Mãos Sujas.
Eu poderia ter citado para a Mariana uma terceira fita: Alice ou A Última Fuga (Alice ou la dernière fugue, 1977), na qual Claude Chabrol conseguiu a proeza de transformar a sensual e pouco talentosa Sylvia Kristel (1952-2012), a eterna Emmanuelle (a personagem criada nos livros eróticos de Emmanuelle Arsan), numa atriz sensível e competente.

Sylvia Kristel, interpretando Alice, em Alice ou A Última Fuga.

A história contada em Alice ou A Última Fuga é basicamente a seguinte: uma jovem e bela esposa, colocada em plano secundário por um marido egoísta, permanentemente voltado para si mesmo, seus interesses e sua profissão, decide romper os laços matrimoniais e foge. Então, ao volante de seu carro, parte em disparada e sem destino através de uma estrada qualquer numa noite de tempestade. A partir daí, buscando inspiração nas duas histórias da menina Alice escritas pelo inglês Lewis Carroll (1832-1898), Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá, Chabrol insere sua heroína num mundo surreal.
Alice ou A Última Fuga foi bem recebido pela crítica, sobretudo francesa, que comparou a personagem principal às heroínas de Hitchcock, com as quais compartilha “uma beleza fria e inquietante”. Houve até quem classificasse a produção de “terrivelmente bela, um filme em que a angústia e a beleza explodem a cada imagem”.

Uma bela imagem de Alice ou A Última Fuga.
R. F. Lucchetti (Rubens Francisco Lucchetti, 1930-2024) foi ficcionista e roteirista de Cinema & Quadrinhos.