O DIA EM QUE LANA DEL REY SE TORNOU UMA GIGANTA

Marco Aurélio Lucchetti & R. F. Lucchetti
E
dição: Marco Aurélio Lucchetti

Inicia-se o vídeo.
É dia claro.
Num local aparentemente desolado, uma mulher gigante, usando sandália e trajando um leve e curto vestido de verão, desperta. Sentindo calor, ela abana-se com uma das mãos e ergue-se lentamente.

Nesse instante, podem ser vistos, à distância, os arranha-céus de uma urbe.

A giganta arranca do solo uma palmeira e abana-se com ela. Depois, caminha pelas ruas da cidade, atraindo a atenção dos motoristas. No meio de um cruzamento, ela deixa cair a palmeira e segue sua caminhada. Estaca diante de um edifício, arranca a caixa d’água do prédio e bebe o líquido. Prossegue seu passeio. Admira seu reflexo nas janelas de um arranha-céu. Volta a abanar-se com uma das mãos. Atravessa um viaduto, tomando cuidado para não pisotear os carros, tão pequenos, lá embaixo. Continua seu caminho. Há uma faixa amarrada de um lado a outro da rua. O corpo da mulher gigante encobre algumas letras escritas na faixa. Mas as letras visíveis (VEN E) permitem que identifiquemos o local como Venice, na área metropolitana de Los Angeles. A giganta chega à praia, abaixa-se e brinca com a água do mar.

Nesse momento, percebe-se que tudo o que foi mostrado até agora é o que está sendo projetado na tela de um cinema drive-in, onde há diversos automóveis (todos antigos, da década de 1950) estacionados e algumas pessoas andando ou conversando fora dos veículos.
São vistos, encostados num dos carros, um rapaz e sua namorada, uma loura tomando refrigerante e segurando um saco de pipoca.
A namorada termina de tomar o refrigerante e pede para o rapaz ir comprar outro. Ele afasta-se, para atender ao pedido. Ela fica assistindo ao filme.

Após pedir a uma funcionária de um quiosque o refrigerante, o namorado nota uma jovem olhando-o e sorrindo para ele. A seguir, sai de cena, não se importando mais com a bebida.
Enquanto isso, a mulher gigante refresca-se no mar.
Cansada de esperar pelo namorado, a loura vai procurá-lo. Conversa com uma amiga, e as duas vão à procura do rapaz. Encontram-no. Ele e a jovem estão se beijando, no interior de um automóvel. As duas mulheres retiram-se.
Corta para a tela.
A giganta está descansando, deitada na praia. Começa a brincar com a areia. Levanta-se e inicia o que pode ser considerada uma dança. Uma forte rajada de vento sai da tela, levando consigo muita areia.
Sentindo o vento e a areia, o público procura se proteger da melhor forma possível. Em seguida, a mulher gigante deixa o mundo da ficção e entra no mundo real.

Assustadas, as pessoas que se encontram no drive-in fogem.

Percebendo o movimento, o casal dentro do carro deixa de se beijar. A giganta pega o veículo, balança-o por alguns instantes e solta-o. Aí, troca olhares de cumplicidade com a loura. Então, a loura vai embora correndo e a mulher gigante retorna para o seu mundo, onde prossegue calmamente sua deambulação pela cidade.
A última imagem mostra, em primeiro plano, o drive-in e, ao fundo, a tela, com as palavras “THE END” escritas na altura das coxas da giganta.

Essa é a história relatada em “Doin’ Time”, videoclipe estrelado pela cantora e compositora norte-americana Lana Del Rey, pseudônimo artístico de Elizabeth Woolridge Grant.
Descendente de noruegueses, escoceses e ingleses, Elizabeth nasceu em 21 de junho de 1985, na cidade de Nova York.
Quando Elizabeth tinha um ano de idade, ela e os pais, Robert Grant Jr. e Patricia Hill Grant, mudaram-se para a pequena Lake Placid, fundada no começo do século 19 e situada no norte do estado de Nova York.
Foi em Lake Placid que nasceram a irmã e o irmão de Elizabeth: Caroline “Chuck” Grant, que se tornaria fotógrafa profissional; e Charlie Grant, que é fotógrafo e artista musical.
Criada como católica apostólica romana, Elizabeth frequentou, durante o Ensino Fundamental, a Saint Agnes School, em Lake Placid, e começou a cantar no coro da igreja.

Lana Del Rey, vestida de fada, quando criança.

Ainda muito jovem, Elizabeth ficou preocupada com a morte e suas consequências.
Abre um parêntese.
Em janeiro de 2012, numa entrevista dada ao jornalista musical britânico Neil McCormick, Lana Del Rey disse o seguinte a respeito desse acontecimento:

“Fiquei meio abalada com o fato de que minha mãe, meu pai e todos que eu conhecia iriam morrer um dia. E eu também. Tive uma espécie de crise existencial. Eu não conseguia acreditar que nós éramos mortais. Por alguma razão, esse conhecimento perturbou o meu viver. Fiquei infeliz por algum tempo. Foi um período difícil na minha vida.”

Foi talvez esse conhecimento de que todos nós somos mortais que motivou Elizabeth a ter problemas para fazer amigos durante a maior parte da adolescência e início da idade adulta.
Fecha o parêntese.

Lana Del Rey, numa foto tirada em 1998.

Aos dezenove anos de idade, Elizabeth ingressou no curso de Filosofia (com ênfase em Metafísica) da Fordham University, no Bronx, na cidade de Nova York. E ela escolheu esse curso porque acreditava que estudar o assunto iria preencher “a lacuna entre Deus e Ciência”, já que estava interessada “em Deus e em como a tecnologia poderia nos auxiliar a descobrir de onde viemos e a razão de estarmos aqui”.
Foi quando ainda estava na Fordham University que Elizabeth passou a cantar profissionalmente.
Abre um novo parêntese.
Certa vez, Lana Del Rey revelou o que a motivara a se tornar uma cantora profissional:

“Eu queria fazer parte do cenário musical. Como eu não tinha muitos amigos, esperava conhecer pessoas e iniciar uma comunidade ao meu redor, como costumava ocorrer na década de 1960.”

Fecha esse novo parêntese.
Elizabeth formou-se em 2008. E, dois anos mais tarde, lançou seu primeiro álbum, adotando o pseudônimo de Lana Del Ray.
Em 31 de janeiro de 2012, houve o lançamento mundial do segundo álbum da cantora, Born to Die.
Com aproximadamente cinquenta minutos de duração, Born to Die alcançou o primeiro lugar em onze países e dividiu a crítica.
Alguns críticos elogiaram a complexidade e originalidade do disco. Outros acusaram a cantora de ser uma “artista fabricada”. Algumas críticas apontaram para “a irregularidade do álbum, que possui algumas faixas insossas e arranjos que buscam, sem sucesso, grandiosidade”. Entretanto, outras críticas destacaram “a capacidade de Lana de criar um personagem forte e uma estética única, com letras que exploram temas como amor, relacionamentos e a vida selvagem”. Para Lindsay Zoladz, crítica de Cultura Pop do jornal The New Tork Times, “a atmosfera impressionantemente exuberante do álbum pode ser o único fator que unirá seus detratores e apologistas”. Ainda segundo Lindsay, “o ponto de vista do álbum – se é que se pode chamar assim – parece estranho e desatualizado”

Capa do álbum Born to Die

Foi a partir de Born to Die que Elizabeth trocou o Ray por Rey e passou a ser conhecida definitivamente como Lana Del Rey.
Abre mais um parêntese.
O pseudônimo Lana Del Rey é uma combinação do nome da atriz Lana Turner (nome artístico de Julia Jean Turner, 1921-1995) com o do Del Rey, um sedã da Ford.

Nascida em Wallace, no estado norte-americano de Idaho, Lana Turner alcançou fama como modelo pin-up e, por mais de quarenta anos, foi uma estrela cinematográfica.

Lançado no início da década de 1980, o Ford Del Rey deixou de ser fabricado dez anos depois.

Admiradora confessa de Lauren Bacall (nascida Betty Joan Perske, 1924-2014), a atriz principal de À Beira do Abismo (The Big Sleep, 1946), um dos mais icônicos filmes Noir da década de 1940, Lana Del Rey costuma citar um grande número de cantoras e cantores (Billie Holiday, Joan Baez, Julie London, Britney Spears, Julee Cruise, Elvis Presley, Frank Sinatra, Bobby Vinton, Bob Dylan e Bruce Springsteen, entre outros) como inspiradores de seu trabalho. Habitualmente, declara que é igualmente influenciada pelos poetas Walt Whitman (1819-1892) e Allen Ginsberg (Irwin Allen Ginsberg, 1926-1997), os cineastas Federico Fellini (1920-1993) e David Lynch (David Keith Lynch, 1946-2025) e os pintores Pablo Picasso (Pablo Ruiz Picasso, 1881-1973) e Mark Ryden.

Lauren Bacall, numa cena de À Beira do Abismo.

Misturando romance trágico, glamour, melancolia e saturados de referências a Jazz, grupos femininos, dinheiro, poder, glória, excesso e perda, as canções e os videoclipes de Lana Del Rey fazem referência à cultura estadunidense dos anos 1950 e 1960. Um exemplo disso é “Doin’ Time”, no qual Lana interpreta dois papéis: o da mulher gigante e o da namorada loura.
Dirigido por Rich Lee e lançado em 29 de agosto de 2019, o clipe tem um toque retrô.
Deve ser destacado que, enquanto as cenas no drive-in se passam nos anos 1950, as cenas projetadas na tela transcorrem na nossa época. Com isso, deduz-se que o filme que o público está vendo é do gênero de Ficção Científica.
Ao assistirmos “Doin’ Time”, logo percebemos que ele é uma homenagem à película A Mulher de 15 Metros (Attack of the 50 Foot Woman, 1958), que foi dirigida por Nathan Juran e estrelada pela exuberante Allison Hayes. Mas, ao contrário do que acontece no filme, a giganta interpretada por Lana não morre. Ela permanecerá “viva” para sempre.

Ilustração feita para o cartaz original (estadunidense) do filme A Mulher de 15 Metros.

Marco Aurélio Lucchetti é professor universitário e pesquisador de Cinema, Quadrinhos e livros populares.
R
. F. Lucchetti (Rubens Francisco Lucchetti, 1930-2024) foi ficcionista e roteirista de Cinema & Quadrinhos.


“Minha grande paixão é o Cineclube Cauim, uma ONG que tem como objetivo disseminar a cultura através da música, teatro e cinema, para que a população do município possa usufruir de uma ferramenta educacional.”

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