CARLITOS

R. F. Lucchetti
Quando tiverem se passado muitos anos – os mesmos “muitos anos” do início da maioria dos contos de fadas – por este mesmo céu azul passarão as mesmas nuvens brancas, o mar fará o mesmo rumor na praia dourada, haverá um perfumado dia de primavera como hoje, flores novas irão desabrochar nos jardins… Outros homens tecerão seus sonhos, acariciarão ilusões, quererão amar e rir, esquecerão… E nada,absolutamente nada, restará de nós e de nossas vidas.
Então, da existência de sir Charles Spencer Chaplin, um cômico renomado e genial, subsistirá apenas seu personagem, Carlitos. O restante – a dura infância de menino pobre, as representações nos teatros, o começo no Cinema, o sucesso fabuloso, a glória inigualável, os amores, os casamentos, os divórcios, as amarguras, as ilusões, as desilusões, as lutas, os milhões de dólares adquiridos – ficará perdido no tempo.
Ninguém saberá se Chaplin foi bom ou mal, milionário ou miserável, alegre ou triste, nem se sua vida foi bela ou vulgar. Tudo terá sido levado pelo tempo, assim como as folhas secas são carregadas pelo vento.
Restará somente Carlitos, com o chapéu roído, os sapatões disformes, a bengalinha ágil, a bondade sem limites, a emoção fácil, a fraqueza diante da vida, a generosidade e o quixotismo.

R. F. Lucchetti (Rubens Francisco Lucchetti, 1930-2024) foi ficcionista e roteirista de Cinema & Quadrinhos.